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Marilia Teresinha Hartmann (Universidade Federal da Fronteira Sul - Erechim)

Como foi o início da sua carreira e quais as principais motivações para trabalhar com os anfíbios?

 

O início da minha carreira foi ainda na graduação, na Universidade Federal de Santa Maria, sob a orientação da prof. Sônia Cechin. Eu iniciei trabalhando com serpentes, mas já fazia coletas e identificação de anfíbios e tinha paixão por esse grupo. Estava dividida entre serpentes e anfíbios, e assim fui fazer mestrado com o prof. Marcio Martins, na época na UNESP, e fiquei cada vez mais encantada com a herpetologia. Fui estudar efetivamente anfíbios no doutorado, com o prof. Célio Haddad, e nunca mais parei de trabalhar com eles. Estudei anfíbios na Mata Atlântica, o lugar mais incrível para se conhecer anfíbios no Brasil (na minha opinião, claro), e pode-se dizer que foi amor ao primeiro campo. A riqueza de sons, cores e comportamentos me fascinam até hoje.

 

Quais foram as principais conquistas da sua carreira? Qual é o seu trabalho que considera mais importante?

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O meu trabalho mais importante foi um capítulo do doutorado, sobre comunicação visual em anfíbios na Mata Atlântica, fruto de muitas observações e conjecturas sobre esse comportamento em anfíbios. Provavelmente teria seguido nesta linha de estudos se a vida não tivesse apontado outros desafios. Mas trabalhando no Rio Grande do Sul surgiram outras perguntas científicas que me levaram a mudar minha linha de pesquisa. Ao realizar estudos sobre biologia de anfíbios no Bioma Pampa e em remanescentes alterados da Mata Atlântica, foi possível perceber o quanto os anfíbios vêm sofrendo com os impactos ambientais e produção agrícola. As pesquisas ao longo dos anos aumentaram as questões sobre o impacto do uso intensivo da terra sobre os anfíbios, e levaram à constatação que existe a necessidade de desenvolver estudos para entender os impactos dos agrotóxicos utilizados na agricultura sobre as espécies. Por isso, mudei a linha de pesquisa para entender o impacto de agrotóxicos em anfíbios nativos e acho que essa foi a principal conquista na minha carreira: começar algo novo com anfíbios, pouco explorado no Brasil. Hoje temos vários artigos publicados, temos levado os resultados para congressos científicos, produzido dissertações de mestrado e TCCs, com vários estudos em andamento, cada vez descobrindo mais sobre os efeitos dos agrotóxicos sobre neste grupo.

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Quais foram os principais desafios? Ser mulher fez alguma diferença com relação a eles?

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O principal desafio ao longo dos anos foi fazer ciência em um país que pouco valoriza ciência. O laboratório de Ecologia e Conservação da UFFS foi montado do zero e as pesquisas iniciaram com o pouco que tínhamos disponível, comprando muita coisa com o dinheiro do próprio bolso. Se ser mulher fez diferença? Sim, fez e faz. Ir para o campo a noite sozinha é uma tarefa muito arriscada para uma mulher. Todas as saídas de campo para coleta e observação de anfíbios têm que ser muito bem planejadas, montando equipes de trabalho para manter a segurança. Também tiveram as “paradas técnicas” na pesquisa para a maternidade. Tenho um marido maravilhoso, que sempre esteve comigo, tanto na hora de ir para o campo, quanto na criação das nossas filhas. Mesmo assim, a pesquisa ficou em “stand by” durante a época de amamentação e cuidados com nossas pequenas. Nem imagino como seria se ele não fosse tão dedicado a nós. 

 

Que experiência, dica ou conselho você gostaria de passar para aqueles que estão começando a estudar os anfíbios, principalmente para as mulheres?

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Tenho muito mais mulheres do que homens sob minha orientação, e posso dizer que todos são incríveis. Mas, as meninas têm mais desafios a serem enfrentados. É preciso muita força de vontade e serenidade para seguir no caminho da pesquisa – e é extremamente gratificante. Nos caminhos que segui na minha carreira, raramente encontrei preconceito de gênero – pelo menos não o suficiente para que me prejudicasse. Assim, especificamente para as pesquisadoras, o único conselho é não deixar se abater – mas não se calar. Se a dificuldade for ir para o campo – organizem-se bem, se a dificuldade for machismo, unam-se a outras mulheres e façam-se ouvir, e se a dificuldade for conquista por uma vaga no mercado de trabalho –sejam melhores. Ninguém disse ou dirá que é fácil. Mas, por mais problemas que apareçam, vale a pena. Anfíbios são um grupo curioso, particularmente bonito com uma diversidade de questões a serem exploradas. E principalmente, precisam ser protegidos. São o alarme da crise da biodiversidade.  Ser pesquisador é fazer diferença, um estudo por vez.

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Entrevista publicada em Outubro/2018.

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Ir para a próxima entrevista (Paula Cabral Eterovick).

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