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Cynthia Peralta de Almeida Prado (Universidade Estadual de São Paulo – Jaboticabal)

Como foi o início da sua carreira e quais as principais motivações para trabalhar com os anfíbios?

 

Fiz graduação em Ciências Biológicas (Licenciatura), curso noturno, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande. Sempre gostei de animais e com 14 anos já havia decidido fazer Biologia, mas não fazia ideia de que área seguir. No meu primeiro ano de graduação, nossa professora de embriologia, Sueli, nos levou para a Base de Estudos do Pantanal (BEP - UFMS), às margens do Rio Miranda, para coletar desovas e estudar o desenvolvimento embrionário de anfíbios. Era mês de janeiro e o Pantanal estava alagado. Fiquei, simplesmente, encantada com todas as espécies de anuros vocalizando, e a adrenalina de andar pelos alagados a noite! Foi amor à primeira vista! Desde então, antes mesmo de cursar a disciplina de Zoologia, eu já coletava anuros por onde passava e os levava para o professor responsável pela disciplina de Vertebrados, Prof. Masao Uetanabaro. Observando meu interesse, ele me convidou para fazer iniciação científica. Por meio de uma bolsa PIBIC/CNPq, desenvolvi um projeto sobre a biologia reprodutiva de Lysapsus limellum (Pseudinae) no Pantanal. A partir daí, o caminho foi fazer mestrado em Ecologia e Conservação, programa do qual fui aluna da primeira turma na UFMS, e doutorado em Zoologia na Unesp de Rio Claro - SP, sempre estudando os anuros do Pantanal sul. Meu orientador de mestrado foi o ecólogo Prof. Dr. Frederico Santos Lopes, e meu orientador de doutorado e supervisor de pós-doutorado foi o Prof. Dr. Célio F. B. Haddad. Desde a iniciação científica, o meu interesse foi estudar o comportamento e as estratégias reprodutivas em anuros.

 

Quais foram as principais conquistas da sua carreira? Qual é o seu trabalho que considera mais importante?

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Difícil dizer. Cada etapa da carreira acadêmica foi uma conquista: o mestrado, doutorado, pós-doutorado, emprego na universidade pública. Cada etapa traz os seus desafios e dificuldades, o que me fez amadurecer como pessoa e pesquisadora. Mas, eu posso dizer que fui muito feliz no caminho que escolhi. Sempre tive o apoio da família e ótimos orientadores e colaboradores. Eu diria que a etapa mais desafiadora e estressante, até aqui, foi o concurso público para ser admitida como docente em uma instituição pública. No entanto, na atual conjuntura do país, de crise econômica e ataques à universidade pública, acho que tanto eu como outros colegas docentes e pesquisadores estamos atravessando um período muito desafiador em nossas carreiras. Sobre meus trabalhos, também difícil escolher. O artigo sobre a revisão dos modos reprodutivos em anuros, que publiquei na Bioscience em 2005, em parceria com Prof. Célio Haddad, é o mais reconhecido e citado entre os meus trabalhos. Muito me orgulho desse artigo, mas também tenho um carinho muito especial pelos meus trabalhos sobre comportamento reprodutivo em espécies de Leptodactylus. Esses trabalhos, publicados durante meu doutorado, guiaram quase todos os trabalhos feitos posteriormente e ainda são a coluna vertebral dos meus estudos atuais.

 

Quais foram os principais desafios? Ser mulher fez alguma diferença com relação a eles?

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Para mim, uma estudante de biologia que se formou e realizou mestrado distante das principais instituições de pesquisa do sul e sudeste, acho que o principal desafio foi persistir e buscar os pesquisadores reconhecidos na época para demonstrar minha vontade e capacidade para continuar na carreira acadêmica. Mas, como mencionei, eu tive o incentivo e apoio de muitos professores da graduação e mestrado, especialmente do Prof. Masao, que me apresentou aos seus amigos, Prof. Dr. Augusto Abe, da Unesp de Rio Claro, e o Prof. Dr. Ulisses Caramaschi, do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Foi o Prof. Augusto quem me apresentou ao Prof. Célio Haddad quando fui consultá-lo sobre a possibilidade de me orientar no doutorado. Não me recordo de ter tido dificuldades a mais por ser mulher. Sempre recebi apoio e incentivo por parte dos professores, homens e mulheres, e nunca senti que tenham posto em dúvida a minha capacidade. É verdade que, enquanto aluna, fui disfarçadamente assediada algumas vezes por professores, mas nossa educação machista me fez encarar isso com naturalidade e eu consegui me esquivar dessas situações. Também, em trabalhos de campo no Pantanal, eu e outras colegas evitávamos a proximidade com grupos de homens, moradores locais ou turistas, porque os assédios eram constantes. Infelizmente, abusos de toda sorte ainda acontecem nos dias atuais, porém, as mulheres estão mais conscientes e denunciam tais abusos.

 

Que experiência, dica ou conselho você gostaria de passar para aqueles que estão começando a estudar os anfíbios, principalmente para as mulheres?

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Para os alunos iniciantes, tanto homens quanto mulheres, eu diria que, em primeiro lugar, é necessário ter paixão pelo que se faz. Os desafios, as dificuldades, crises, são recorrentes ao longo da carreira, mesmo depois de você ter uma carreira consolidada. Acho que isso vale para qualquer profissão. No caso da pesquisa e docência, para você ser bem sucedido, e aqui me refiro a ser feliz no seu trabalho, é necessário ser dedicado, persistente, curioso, ético e crítico, mas ao mesmo tempo, saber trabalhar em grupo, respeitar os colegas, aceitar críticas e ser humilde para reconhecer que estamos, sempre, buscando sanar a nossa ignorância. E tudo isso se torna mais fácil, ou menos difícil, quando se tem paixão!

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Entrevista publicada em Outubro/2018.

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Ir para a próxima entrevista (Denise de Cerqueira Rossa Feres).

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