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Cinthia Aguirre Brasileiro (Universidade Federal de São Paulo)

Como foi o início da sua carreira e quais as principais motivações para trabalhar com os anfíbios?

 

Desde o primeiro ano da graduação fiz estágios na Zoologia. Comecei na biologia marinha e no segundo ano, após ler um trabalho do Ivan Sazima que tratava da população de jararacas da Mata da Santa Genebra em Campinas, eu decidi que era aquilo que eu gostaria de fazer. Xeroquei o artigo (coisa de “herpetólogo vintage”) e levei para uma reunião que eu havia marcado com o prof. Jorge Jim. Na reunião, mostrei o artigo e disse que queria trabalhar com cobras no campo. Ele me explicou que trabalhos como aquele eram feitos em lugares especiais como Santa Genebra (uma ilha de mata em uma cidade onde a densidade jararacas era maior) e propôs que eu fizesse um trabalho em cativeiro com cobras. Eu aceitei a proposta, e ainda comecei a ajudar os alunos da pós-graduação nos seus campos com anfíbios (nunca havia pegado um sapo antes disto). Nas férias daquele ano, fui fazer um estágio no Instituto Butantan, foi muitíssimo proveitoso e até hoje lembro dos detalhes. No entanto, assim que voltei para Botucatu, decidi que queria um trabalho em campo e fiz um projeto para estudar a comunidade de anfíbios em uma poça permanente próximo da UNESP. Convenci o prof. Jim a enviar um pedido uma bolsa de IC para o CNPq. Consegui! Para quem conheceu o Jim, sabe o quanto fui insistente e convincente para ele aceitar. Nunca mais deixei os anfíbios.

 

Quais foram as principais conquistas da sua carreira? Qual é o seu trabalho que considera mais importante?

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A minha principal conquista foi não ter desistido e sempre seguir em frente para ter emprego na Universidade Pública. Eu fiz graduação e mestrado na década de 90, quando praticamente não existia financiamento para a pesquisa e haviam pouquíssimos cursos de pós-graduação. Mesmo assim, sempre sabia onde gostaria de chegar. Fui conquistando minha carreira passo-a-passo.  Eu queria muito fazer o Mestrado na UNICAMP, e fiz. Depois veio o doutorado na USP, mais uma conquista. Depois, o Pós-Doutorado no Exterior. Cada passo foi uma conquista depois de muita batalha. Sem as bolsas de estudo, eu não estaria onde cheguei. Hoje vejo cada passo com uma conquista, antes parecia apenas o caminho correto a percorrer. É difícil escolher um trabalho que considero mais importante. Acredito que os trabalhos publicados pelos meus orientados são muito importantes pois vejo que contribui efetivamente para a educação e pesquisa no Brasil. E os alunos tem publicado em revistas de alto impacto, o que é melhor ainda. Dos meus trabalhos, não vou indicá-los por impacto da revista em que foram publicados, mas pelas consequências geradas por contribuição destes trabalhos: 

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- Amphibians of the Cerrado of Itirapina Ecological Station, Southeastern Brazil (Brasileiro et al. 2005) foi um dos primeiros estudos sobre a fauna de Cerrado feito fora da área core. É um dos meus trabalhos mais citados.

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- Anurans, Northern Tocantins River Basin, Tocantins and Maranhão States Northern Brazil (Brasileiro et al. 2008). Este trabalho fiz com dados coletados por mim e os co-autores em consultorias e também foi um dos primeiros, senão o primeiro, para a região do Tocantins-Maranhão. Acredito que tenha sido importante para iniciar o interesse pela região, ou pelo menos para que os pesquisadores tivessem um ponto de partida.

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- As descrições das duas espécies de Ololygon (O. peixotoi e O. faivovichi) e do Cycloramphus faustoi. Além da importância da descrição das espécies per se, estes trabalhos aumentaram o interesse de pesquisadores pelas ilhas, e também foram e são ainda influenciadores de políticas públicas.

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- Variation in Genetic Structure of an Atlantic Coastal Forest Frog Reveals Regional Differences in Habitat Stability' (Fitzpatrick et al. 2009). Este foi um dos primeiros trabalhos sobre filogeografia de anfíbios da Mata Atlântica e muito importante para começarmos a contar a história da diversificação dos organismos no bioma.

 

Quais foram os principais desafios? Ser mulher fez alguma diferença com relação a eles?

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Quando olho para minha história, vejo que sempre fui muito determinada no que eu queria e assim, não prestava muito atenção se estava enfrentando desafios. Eu cumpria a “obrigação” para cada objetivo. Mas a carreira sempre tem desafios. O primeiro deles foi na iniciação cientifica. Eu não tinha carro e fazia o trabalho próximo da Unesp. Para voltar para casa eu tinha que pegar o ônibus urbano que saia da Unesp às 23:40h. Muitas vezes entrei no ônibus molhada, de bota e com laterna. Fui para o campo uma vez por semana, sem faltar, durante um ano. No entanto, o maior desafio foi trabalhar em ilhas. Tive muita paciência e calma para convencer cada “dono” de ilha a nos deixar trabalhar, convencer cada barqueiro a nos levar para a ilha e nos buscar à noite (para as ilhas mais próximas). As idas e vindas das ilhas nem sempre foram em mar tranquilo. E trabalhar nas ilhas mais distantes sempre era complicado (hoje melhorou muito). Alcatrazes era um pesadelo; não pela ilha, ou pelos animais, mas pela burocracia. Muitas vezes quis desistir. Eu tive um projeto aprovado pela Biodiversitas/CI para estudar Ololygon alcatraz. Neste período a ilha foi queimada duas vezes pelo treinamento da Marinha. Após uma destas queimadas, a Marinha não queria nos deixar ir para a ilha. Falei com muitos comandantes até que chegar ao Vice-Almirante (patente mais alta em São Paulo). Ele me atendeu muito bem, compreendeu meu projeto e dali em diante não tive mais nenhum problema. Mas, acredito que este projeto foi uma virada pessoal pela minha timidez. Perdi muito por ter sido muito tímida (sei que alguns esqueceram ou não se lembram da minha timidez) e ter que falar com tanta gente (marinheiros, fuzileiros, comandantes, caiçaras, mateiros) foi imprescindível para eu aprender esconder a timidez e conseguir o meu objetivo. Para as mulheres interessadas em anfíbios, o campo noturno sempre será um desafio. Fui assediada por ajudantes de campo, mas consegui sair ilesa após as tentativas. Mas sempre tem o desafio de ir para o campo novamente e torcer para não passar por constrangimentos. Além do assédio sexual, o assédio moral sempre esteve (inclusive atualmente) à espreita. A solução é estar sempre atenta e impedir sempre que perceber. 

 

Que experiência, dica ou conselho você gostaria de passar para aqueles que estão começando a estudar os anfíbios, principalmente para as mulheres?

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Além da dedicação ao estudo, ser responsável e não esquecer nenhum aspecto ético, sempre aconselho meus alunos e alunas a ter uma grande “rede de colegas” (networking).  Se você mantém a ética e o respeito aos colegas a rede é montada automaticamente. Com uma rede forte, sempre que precisar você vai ter informações confiáveis sobre qualquer necessidade (áreas e espécies, legislação, entre outros).  Esta rede também poderá te oferecer ou indicar um emprego.  Outro conselho que dou é sempre “ser e dar o exemplo”. Se você não fizer o seu melhor, não poderá cobrar o melhor do outro. Em especial, para as mulheres, infelizmente nosso país ainda é machista. Assim, temos que ser sempre atentas. Sei que somos consideradas “esquisitas” por entrar em brejos à noite para procurar SAPOS, mas ainda assim somos mulheres. Especialmente nos trabalhos de campo para lugares e com desconhecidos (mateiros, motoristas), redobre a atenção e preste muita atenção também no seu comportamento e nas suas roupas. Trabalhamos à noite, então todo cuidado é pouco.

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Entrevista publicada em Outubro/2018.

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Ir para a próxima entrevista (Cynthia Peralta de Almeida Prado).

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