top of page
christine.jpg
Christine Strussmann (Universidade Federal de Mato Grosso)

Como foi o início da sua carreira e quais as principais motivações para trabalhar com os anfíbios?

 

Quando estudante de graduação em Medicina Veterinária na UFRGS, no início dos anos 80, tive meu primeiro contato com o mundo da herpetologia, por intermédio do Prof. Thales de Lema, que ministrou para minha turma algumas aulas sobre serpentes peçonhentas. Na época, o Prof. Thales estava vinculado ao Museu Rio-Grandense de Ciências Naturais, depois Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (FZB), cuja extinção foi agora oficializada pelo governo do estado. A triste notícia do fechamento definitivo da FZB levou também uma parte da minha história, ao mesmo tempo em que me trouxe boas lembranças: as primeiras excursões herpetológicas como voluntária da FZB, a primeira coleção de anfíbios que conheci e que mais tarde pude examinar, a primeira biblioteca de livros e revistas científicas, as primeiras separatas com descrições originais de anuros do Rio Grande do Sul e o precioso exemplar do livro “Brazilian Species of Hyla“ que ganhei de Pedro Canísio Braun. Na época, Pedro Braun e sua esposa, Cristina Braun, conduziam ativamente pesquisas com anfíbios do meu estado natal. Da minha primeira excursão para coletas herpetológicas, em São Francisco de Paula, lembro de dois momentos marcantes: o primeiro anfíbio encontrado – um espécime de Elachistocleis bicolor, bichinho apaixonante – e o fato de que, para encontrá-lo, desmanchamos boa parte de um muro de pedras quase centenário, algo impensável – e talvez inafiançável – nos dias de hoje. Outro acontecimento que contribuiu muito para que eu me envolvesse com a herpetologia foi um estágio realizado no último semestre do curso de graduação. Na época, 1982, com mais seis colegas viajamos em um avião do Correio Aéreo Nacional (CAN) de Porto Alegre ao outro extremo do país, para realizar um estágio de férias no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Meus colegas logo se encaixaram em grupos de pesquisa com peixe-boi, primatas e outros “fofobichos”, mas quando chegou a minha vez, não tive muita escolha: um cara com um sotaque carregado falou que eu podia escolher entre participar de um projeto com sapos ou outro com lagartos. Não teve jeito, de uma só tacada conheci Bill Magnusson, Albertina Lima, a paradisíaca Alter do Chão (à época, uma minúscula e pouco conhecida vila de pescadores junto à foz do Tapajós, Pará), os primeiros dendrobatídeos, a exuberante Amazônia. Pouco depois de formada, recebi convite para um trabalho no Pantanal, com capivaras. Foi nesta época que conheci o Prof. Ivan Sazima, que mais tarde veio a tornar-se meu orientador de mestrado na UNICAMP e por quem tenho a mais alta gratidão, reconhecimento e respeito profissional. Com ele aprendi, entre tantas outras coisas, uma nova linguagem – a científica, a fotografar sapos e a estudar, interpretar e descrever seus comportamentos, a estabelecer parcerias e colaborações científicas. O fato de que os primeiros herpetólogos que conheci realizavam suas pesquisas com sapos e répteis sempre com grande paixão foi bastante motivador, mas acho que posso dizer que foi ali, na UNICAMP, depois de Ivan Sazima, que entrei veterinária e saí herpetóloga.

 

Quais foram as principais conquistas da sua carreira? Qual é o seu trabalho que considera mais importante?

​

Partilhar o respeito e a amizade de boa parte dos herpetólogos e de um grande número de estudantes do país é algo que me enche de orgulho e que prezo imensamente, e talvez possa considerar essa como minha maior conquista profissional. Da mesma forma como fui influenciada positivamente pelo entusiasmo e dedicação dos meus mestres no início de minha carreira, sei que contribuí e que continuo contribuindo para a formação profissional ética e responsável de novos herpetólogos.

 

Quais foram os principais desafios? Ser mulher fez alguma diferença com relação a eles?

​

A natureza dos desafios pessoais e profissionais para inserir-se no mercado de trabalho vem se modificando com o passar do tempo. Na época em que fiz o mestrado, isso por si só já era um desafio, tendo em vista a escassez de bons cursos, de vagas de orientadores e de bolsas de estudo. Atualmente, as maiores limitações estão na etapa que vem depois da obtenção de um título. Lembro do primeiro concurso em que me inscrevi, visando uma vaga como professora na universidade onde hoje leciono: o concurso era para professor adjunto, nenhum doutor se inscreveu e a vaga acabou não sendo preenchida. Hoje, uma vaga com perfil equivalente é disputada por algumas dezenas de concorrentes com elevada qualificação, homens e mulheres com currículo invejável e reconhecida capacidade técnica. Antes de ingressar no serviço público como professora universitária, minha principal ocupação profissional foi em trabalhos de consultoria ambiental. Ainda hoje, muitas herpetólogas mulheres se dedicam a este tipo de atividades em campo, durante as quais, muitas das vezes, é preciso abdicar de confortos urbanos e lidar ou até mesmo coordenar equipes formadas principalmente por homens. Nessas condições, não lembro de alguma situação em que ser mulher tenha se constituído em um obstáculo ou dificuldade para obter os resultados que buscava ao ir para campo. Afinal, ninguém brinca com uma mulher com uma cobra ou um sapo na mão! A situação muda muito, no entanto, quando a “herpetóloga de campo” tem filho(s). Aí, mesmo o brejo mais animado não consegue prender cem por cento da nossa atenção. Lembro particularmente de um momento em que, durante a expedição científica AquaRAP Pantanal, de que muito me orgulho de ter participado, promovida pela Conservation International (CI) do Brasil com a finalidade de inventariar as espécies presentes em ecossistemas aquáticos na Bacia do Alto Paraguai e contribuir com a conservação da bacia, em dado momento consegui uma ligação para casa usando um aparelho celular Iridium (um tijolo quando comparado aos celulares modernos), sistema de telefonia via satélite lançado na década de 90. Após quase duas semanas do início da expedição, queria notícias do meu primeiro filho, então com cinco anos, que ficara em casa com uma babá de confiança. “Está tudo bem, mas... ele está com gripe... um pouco de diarréia... não quer comer e blá blá blá”. Para mim, era o fim de uma expedição glamorosa, cientificamente instigante e com direito a Globo Repórter: “por favor, veja uma forma de me levar para casa”, disse em prantos ao coordenador da expedição.

 

Que experiência, dica ou conselho você gostaria de passar para aqueles que estão começando a estudar os anfíbios, principalmente para as mulheres?

​

Acho que uma boa dica é a frase que ouvi repetidas vezes de minha amiga herpetóloga-de-mão-cheia, Tami Mott: “estudo: és tudo”. O quanto investimos em nossa formação e com que seriedade o fazemos faz toda a diferença. Buscar sempre o melhor: o melhor curso, o melhor orientador, o melhor laboratório, o melhor parceiro científico, a melhor revista, mas sem esquecer de nosso ativo mais valioso: a qualidade de nossas relações interpessoais.

​

Entrevista publicada em Outubro/2018.

​

​Ir para a próxima entrevista (Cinthia Aguirre Brasileiro).

bottom of page